Em 2008 fui homenageada pelo dia Internacional da Mulher na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, juntamente com outras mulheres de destaque. Fui uma das poucas escolhidas para discursar e dediquei minha homenagem às mães especiais.
O discurso é muito atual e tem rendido comentários até hoje e, como alguém me pediu uma cópia esta semana, resolvi dividi-lo com vocês, minhas companheiras de luta.
"Senhoras e Senhores, autoridades aqui presentes,
Fiquei realmente sensibilizada com o convite do Sr. Vereador Dr. Nelson Ferreira para participar desta comemoração pelo dia Internacional da Mulher, a quem agradeço e parabenizo pela iniciativa.
Não há dúvidas que as mulheres conquistaram um lugar especial no cenário mundial nas últimas décadas, chegamos a Presidência em alguns países e, no Brasil, aos mais altos cargos públicos, inclusive a Presidência do Supremo Tribunal Federal. No entanto, apesar de se tratar de uma minoria elitizada, muito nos engrandece.
Quero dividir com todas as mulheres, e principalmente com aquelas que receberam de Deus um filho especial, esta homenagem e também a história do meu amor incondicional – o meu amor de mãe. È por experiência própria que descrevo com riqueza de detalhes a vida árdua dessas mulheres e dedico a elas meu carinho, meu respeito, minha solidariedade e também esta homenagem.
Poderia ter me sentido uma derrotada ao receber meu bebê com tantos problemas. Confesso que passei por momentos de medo, cansaço e dor, mas transformei todos esses sentimentos em armas para concluir que fui uma mulher escolhida por Deus para cuidar de um anjinho enviado por Ele. Há três anos me alimento de esperança e hoje vejo em meu filho um milagre de Deus. Mas nossa trajetória foi percorrida com muito sofrimento e luta, o que me fez pensar em todas as outras mulheres com filhos especiais.
Foram 3 anos de de luta sem trégua. Abandonei minha vida profissional e social pelo maior amor que existe na Terra, viceral, eterno e divino – o amor de mãe. Deixei a advocacia e o magistério para me dedicar informalmente a medicina, a enfermagem, a fisioterapia, a fonoaudiologia, a terapia ocupacional e demais carreiras das quais a vida do meu filho ainda depende – todas não remuneradas. Minha nova profissão: MÃE.
Logo na primeira semana dentro da UTI, em um hospital particular conceituado na Zona Sul, fui informada do horário de visitação e desencorajada a permanecer ao lado do meu filho como se ele já fosse um caso perdido – aquele filhote abandonado por um animal por não ter chances de sobreviver. Estranhei tamanha insistência e por contrariar a indicação, desagradei a equipe. Com o tempo descobri que a presença dos pais incomoda por causa da fiscalização exercida – fiscalização esta que garantiu a vida do meu bebê. Pais vêm incubadoras desligadas, bebês amordaçados com chupetas coladas por esparadrapo, crianças sendo re-entubados desnecessariamente para aprendizado de residentes, etc. Passados dois meses de internação, recebi uma ordem despejo por parte da Diretora da Equipe - também mulher e mãe - me intimou a procurar um hospital pediátrico para a transferência de meu filho pois não queria que ele morresse nas mãos de um profissional de sua equipe!
Fiquei internada com meu filho um ano inteiro – a curta licença `a maternidade acabou e chegou a licença sem vencimentos e às rescisões contratuais trabalhistas.
Mães especiais não têm salário e não têm qualquer auxílio previdenciário! Elas são obrigadas a abandonar tudo, inclusive a vida profissional para acompanhar seus filhos internados em um hospital.
Muitas acabam abandonadas por seus maridos e têm que lutar sozinhas pela sobrevivência de seus filhos especiais.
Muitas são criticadas pelas famílias por estarem lutando por crianças que, muitas vezes, não têm esperança e os gastos com tratamento são considerados um “investimento sem retorno”.
Todas são obrigadas a enfrentar grandes batalhas: a busca pelo diagnóstico, a busca pelos profissionais adequados, a incansável luta contra os Planos de Saúde pelas coberturas dos tratamentos e exames necessários, a luta para conseguir remédios e alimentos especiais, muitas vezes importados e disponíveis somente com preços absurdos, vagas e reservas em hospitais, filas para marcação, remédios atrasados ou trocados - sangue trocado, profissionais despreparados para lidar com o cliente, especialmente a família adoecida e traumatizada (mesmo em hospitais particulares – top de linha).
As poucas que lutam pelos seus direitos e pela vida de seus filhos, sofrem preconceito (“a barraqueira do quarto 501” está reclamando porque o antibiótico está com 5 horas de atraso”)
Muitas enfrentam batalhas com médicos que se recusam a aceitar o direito do paciente a uma segunda opinião e à junta médica. A vaidade e corporativismo são camuflados pela alegação de ética profissional!
Essas são apenas algumas situações pelas quais passei e continuo passando, motivo pelo qual aproveito a oportunidade desta comemoração para homenagear as mães especiais e fazer um apelo a todos os presentes, principalmente as autoridades para que trabalhem em prol dessas mulheres guerreiras, que abandonam tudo, menos seus filhos e precisam de:
1) maior tempo de licença a maternidade para aleitamento dos filhos,
2) licença para acompanhamento de filhos doentes,
3) auxílio previdenciário para mães que deixam de trabalhar para cuidar de seus filhos especiais, etc.
E assim concluo: “Podemos escolher ser vítimas ou sobreviventes de nossas histórias” (Taylor Smith)
Obrigado."
Consuelo de F. M. Martin